AO JUÍZO CÍVEL DA COMARCA DE ________/___

 

NINFADORA TONKS, brasileira, estado civil, profissão, portadora do RG sob o nº _____________, inscrita no CPF sob o nº ___________, residente e domiciliada no [endereço completo], com endereço eletrônico registrado como _____@__________.com, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, por meio de sua procuradora signatária, que junta neste ato instrumento de procuração com endereço profissional completo para receber notificações e intimações, propor a presente ANDRÔMEDA BLACK, brasileira, casada, empresária, portadora do RG sob o nº _____________, inscrita no CPF sob o nº ___________, residente e domiciliado no [endereço completo], com endereço eletrônico registrado como _____@__________.com, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas:

1. DOS FATOS

A requerente nasceu em [data], contando atualmente com xxxxx anos de idade, é filha de [NOME DO PAI] e supostamente filha da requerida.

A concepção da requerente aconteceu em decorrência do casamento do seu pai e sua mãe no ano de 19xx, sendo que após o casamento, sua suposta mãe foi então deserdada pela sua família, e para ser novamente aceita pela Casa Black, abandonou a Requerente com seu pai.

O primeiro contato da requerente com a suposta mãe foi no ano de 20xx, quando contatou por meio de ligação telefônica, nessa oportunidade contou toda a história e o mesmo prontamente manifestou interesse na realização do exame de DNA. Todavia, a requerida vem se esquivando para efetivamente realizar o exame, bem como tem evitado contato com a requerente.

Em 20xx, a requerida prometeu que, estabilizando o quadro saúde pública decorrente da pandemia, procuraria a suposta filha para realizar o exame, fato que fora compreendido pela requerente.

Infelizmente, essa foi somente uma manobra para ganhar tempo e não realizar o exame, considerando que depois do período de pandemia a requerente entrou em contato para realizar o exame e passou a ser ignorada.

A requerente claramente buscou meios de resolver administrativamente, por meio do exame, o seu direito em ter o reconhecimento materno, porém, tem sido ignorada pela requerida.

Todo esse distanciamento proposital por parte da requerida privou a requerente do convívio familiar materno, inclusive com os filhos da requerida, supostos irmãos da requerente.

A ausência de referencial materno acarretou em diversas sequelas à requerente na vida adulta, principalmente em relação aos relacionamentos amorosos, não conseguindo manter a estabilidade, sentindo-se traída e abandonada por seus companheiros, que só existiam na sua mente, culminando sempre no término dos relacionamentos e consequentemente sendo obrigada a arcar sozinha com os cuidados das suas filhas.

Além disso, a requerida sempre gozou de uma excelente condição financeira, e a requerente foi privada de uma vida melhor, de uma educação melhor, como por exemplo pelo fato de sempre ter estudado em escolas públicas e não ter tido a oportunidade de cursar faculdade, diferente dos outros filhos da requerida.

Cumpre salientar que a requerente trabalha como aurora, de onde provém o sustento de suas três filhas menores, leva uma vida bastante diferente daqueles filhos que tiveram referencial materno e financiamento estudantil pela genitora.

A requerida, por outro lado, exerce atividade empresarial em vários segmentos: supermercados, hotéis, postos de combustíveis e agropecuária, sendo patente a diferença das suas condições financeiras, que se mostram muito superiores.

Assim sendo, necessária se faz a propositura da presente demanda, requerendo-se o total provimento dos pedidos de mérito.

2. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

a) DO DIREITO DE TER RECONHECIDO O VÍNCULO DE FILIAÇÃO BIOLÓGICA – MÃE BIOLÓGICA QUE SE FURTA DE SUAS OBRIGAÇÕES

Assiste à requerente o direito de ter reconhecido seu vínculo de filiação para com a requerida. Afinal, segundo o art. 27 da Lei 8.069/90, “o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível”.

O direito de reconhecimento da filiação biológica é amparado pelo ordenamento jurídico brasileiro, sendo um direito indisponível.

Constituição Federal prevê em seu art. 227§ 6º:

Art. 227 (…)

§ 6º – Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

 

Código Civil também assegura a imprescritibilidade da filiação:

Art. 1.606. A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz.

Parágrafo único. Se iniciada a ação pelo filho, os herdeiros poderão continuá-la, salvo se julgado extinto o processo.

 

A jurisprudência já se manifestou quanto a imprescritibilidade da filiação, conforme adotado na seguinte ementa de acórdão do Supremo Tribunal Federal:

EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE DECLARADA EXTINTA, COM FUNDAMENTO EM COISA JULGADA, EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE ANTERIOR DEMANDA EM QUE NÃO FOI POSSÍVEL A REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA, POR SER O AUTOR BENEFICÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA E POR NÃO TER O ESTADO PROVIDENCIADO A SUA REALIZAÇÃO. REPROPOSITURA DA AÇÃO. POSSIBILIDADE, EM RESPEITO À PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA IDENTIDADE GENÉTICA DO SER, COMO EMANAÇÃO DE SEU DIREITO DE PERSONALIDADE. 1. É dotada de repercussão geral a matéria atinente à possibilidade da repropositura de ação de investigação de paternidade, quando anterior demanda idêntica, entre as mesmas partes, foi julgada improcedente, por falta de provas, em razão da parte interessada não dispor de condições econômicas para realizar o exame de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova. 2. Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo. 3. Não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável. 4. Hipótese em que não há disputa de paternidade de cunho biológico, em confronto com outra, de cunho afetivo. Busca-se o reconhecimento de paternidade com relação a pessoa identificada. 5. Recursos extraordinários conhecidos e providos. (STF – RE: 363889 DF, Relator: DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 02/06/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 16/12/2011)

Diante do exposto, tendo em vista que mesmo ciente da maternidade, a requerido recusa-se a registrar a requerente, inclusive a realizar o exame de DNA de forma administrativa, necessária a sua realização e consequentemente a procedência da demanda.

b) DO EXAME DE DNA – NECESSIDADE DA COMPROVAÇÃO DE MATERNIDADE BIOLÓGICA

Ante a necessidade da comprovação de maternidade biológica, requer seja determinado com urgência a realização do exame de DNA, para certificação do vínculo paterno entre a requerente e a requerida.

A preferência na averiguação da maternidade tem como base o exame de DNA, dada sua precisão e confiabilidade, é o que prevê o Código Civil:

Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa.

Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame.

 

A Sumula 301 do STJ foi uníssona no assunto: “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”.

A presente demanda pretende exclusivamente ter comprovada a maternidade e consequentemente os direitos e obrigações provenientes do vínculo.

A jurisprudência vem destacar ainda que é direito inalienável e imprescritível do filho buscar o reconhecimento de sua filiação biológica através do exame de DNA:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO. EXAME DE DNA. FILHO MAIOR. FILIAÇÃO SÓCIOAFETIVA. DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO “IN CASU”. -Ainda que exista uma filiação socioafetiva, é direito inalienável e imprescritível do filho buscar o reconhecimento de sua filiação biológica através do exame de DNA -Inexiste no direito brasileiro a decadência ou mesmo a prescrição do direito ou ação do filho objetivando reconhecer seu pai biológico -Somente através da prova científica “DNA” e da ação, o filho pode ter a certeza de quem é seu pai biológico. ( TJ-MG – Agravo de Instrumento-Cv AI 10699100028595001 Ubá. Desembargador BELIZÁRIO DE LACERDA (RELATOR). Data de publicação: 13/07/2012)

Sendo assim, não há dúvidas quanto ao direito da requerente e a necessidade de realização do exame de DNA com finalidade de verificação da maternidade, e inexiste maneira mais segura, senão a realização do exame pleiteado.

c) DO EXAME DE DNA SER CUSTEADO PELO PODER JUDICIÁRIO ANTE A HIPOSSUFICIÊNCIA DA REQUERENTE

É certo que o exame de DNA possui ainda um elevado custo no país, sendo praticamente inviável para grande parte da população brasileira arcar com as despesas do referido exame. Dispõe o art. 98§ 1º, inciso V, do Código de Processo Civil de 2015, “a gratuidade da justiça compreende as despesas com a realização de exame de código genético – DNA e de outros exames considerados essenciais”.

Ante a hipossuficiência da requerente, requer que o exame de DNA seja custeado pelo Poder Judiciário.

d) DA NECESSÁRIA RETIFICAÇÃO DO REGISTRO CIVIL

Após o devido reconhecimento da maternidade pleiteada, é devido à requerente, conforme direito insculpido na Lei nº 6.015 de 31/12/1973, que, em seus artigos 109 e seguintes, abre a possibilidade de retificação dos registros:

Art. 109. Quem pretender que se restaure, supra ou retifique assentamento no Registro Civil, requererá, em petição fundamentada e instruída com documentos ou com indicação de testemunhas, que o Juiz o ordene, ouvido o órgão do Ministério Público e os interessados, no prazo de cinco (5) dias, que correrá em cartório.

Afinal, trata-se de direito à retificação consubstanciada no reconhecimento da verdadeira filiação biológica.

Trata-se, portanto, de direito que assiste à requerente, conforme jurisprudência do nosso Tribunal de Justiça:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C PETIÇÃO DE HERANÇA. PATERNIDADE BIOLÓGICA COMPROVADA POR MEIO DE EXAME DE DNA. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL PARA CANCELAMENTO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA RECONHECIDA LIVREMENTE. 1. Não há que se falar em decadência do direito para ajuizar ação investigatória de paternidade, na qual se pretende alterar o estado de filiação, substituindo no registro de nascimento o pai afetivo pelo pai biológico, por se referir ao estado da pessoa e ser corolário do princípio da dignidade da pessoa humana (precedentes desta Corte). 2. Embora não haja graduação de provas, o exame de DNA goza de posição privilegiada, não consistindo óbice à retificação do registro civil a filiação socioafetiva (precedentes do STJ). 3. Uma vez comprovada a paternidade biológica, é o caso de se acolher a pretensão de investigação de paternidade com todos os seus consectários legais, inclusive, no tocante ao registro civil. APELO DESPROVIDO. (TJ-GO – Apelação Cível ( CPC): 02683184820048090143, Relator: CARLOS HIPOLITO ESCHER, Data de Julgamento: 10/11/2017, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 10/11/2017)

Desta feita, é patente o direito que assiste a requerente em ter o seu registro retificado para [NOME DA REQUERENTE COM O SOBRENOME MATERNO], sendo imperioso concluir-se pela procedência de seu pedido.

e) DO DEVER DE INDENIZAR PELO ABANDONO AFETIVO

O direito da requerente vem amparado segundo o artigo 227 da Constituição Federal, no qual atribui aos pais e responsáveis o dever de cuidado, zelo, criação da prole, convivência familiar com seus filhos, a fim de preservá-los de negligências, discriminação entre outros.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

Infelizmente, não há como o Estado obrigar um pai e mãe a darem amor e afeto ao seu filho, mas a legislação assegura à requerente o direito de ser cuidada. Assim, os responsáveis que negligenciam ou são omissos no dever de cuidado podem responder judicialmente por terem causados danos morais à sua prole.

O ordenamento jurídico brasileiro também inclui normas que tratam, especificamente, dos deveres dos pais para com seus filhos, a exemplo do art. 229 da Constituição Federal. E do Código Civil infere-se que:

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I – dirigir-lhes a criação e educação;

II – tê-los em sua companhia e guarda;

III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

V – representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VI – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

 

O grande filósofo, Platão, já dizia “não deverão gerar filhos quem não quer dar-se ao trabalho de criá-los e educá-los”.

Ora, Nobre Julgador, é de conhecimento comum da sociedade a importância da presença da mãe na vida de um filho, não sendo possível mensurar os danos causados pela ausência desta figura na filiação familiar.

Assim, não se trata se falta de amor, mas sim de negativa real de amparo para garantir uma assistência moral e psíquica ao ofendido.

Neste caso, resta clara a falta de cuidado e amparo pela requerida, ao passo que jamais preocupou-se em procurar a requerente, ignorando e enrolando-a, caracterizando assim um descaso com reais necessidades ínfimas e primárias na vida da suposta filha.

Todo esse distanciamento por parte da requerida privou a requerente do convívio familiar paterno, inclusive com os filhos da requerida, supostos irmãos da requerente.

Não fosse suficiente, a ausência de referencial materno acarretou em diversas sequelas à requerente na vida adulta, principalmente em relação aos relacionamentos amorosos, não conseguindo manter a estabilidade, sentindo-se traída e abandonada por seus companheiros, que só existiam na sua mente, culminando sempre no término dos relacionamentos e consequentemente sendo obrigada a arcar sozinha com os cuidados das suas filhas.

Além disso, a requerida sempre gozou de uma excelente condição financeira, e a requerente foi privada de uma vida melhor, de uma educação melhor, como por exemplo pelo fato de sempre ter estudado em escolas públicas e não ter tido a oportunidade de cursar faculdade, diferente dos outros filhos da requerida.

Neste viés, é ausente o papel de mãe na vida da autora, causando tamanhos transtornos, refletindo até no presente momento. É nítido que a requerida jamais demonstrou qualquer responsabilidade, por intermédio do dever de cuidar, criar, dar subsistências, amparo e educação, infringindo assim os preceitos básicos da personalidade humana da requerente.

Como relatado, Excelência, foram dias de tristeza, de menosprezo, de rejeição, de dúvidas sobre o motivo que levava o requerido a agir desta maneira.

Sabe-se que os meandros da mente humana são difíceis de ser compreendidos, como também as atitudes da requerida, que age ao contrário do que se espera de uma verdadeira mãe.

Destarte, não há como o judiciário obrigar alguém a amar, em razão que o amor é um sentimento tão puro e nobre, não podendo ser imposto juridicamente à parte requerida.

Em recente julgado o Tribunal do Distrito Federal teve o seguinte entendimento, sendo necessário abrilhantar a presente peça com o referido precedente:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. DANO IN RE IPSA. 1. “A omissão é o pecado que com mais facilidade se comete, e com mais dificuldade se conhece, e o que facilmente se comete e dificultosamente se conhece, raramente se emenda. A omissão é um pecado que se faz não fazendo.” (Padre Antônio Vieira. Sermão da Primeira Dominga do Advento.Lisboa, Capela Real, 1650). 2. A omissão não significa a mera conduta negativa, a inatividade, a inércia, o simples não-fazer, mas, sim, o não fazer o que a lei determina. 3. “Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.” (Precedente do STJ: REsp. 1159242/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi). 4. “A indenização do dano moral por abandono afetivo não é o preço do amor, não se trata de novação, mas de uma transformação em que a condenação para pagar quantia certa em dinheiro confirma a obrigação natural (moral) e a transforma em obrigação civil, mitigando a falta do que poderia ter sido melhor: faute de pouvoir faire mieux, fundamento da doutrina francesa sobre o dano moral.Não tendo tido o filho o melhor, que o dinheiro lhe sirva, como puder, para alguma melhoria.” (Kelle Lobato Moreira. Indenização moral por abandono afetivo dos pais para com os filhos: estudo de Direito Comparado. Dissertação de Mestrado. Universidade Católica Portuguesa/Université de Rouen, França/Leibniz Universität Hannover. Orientadora: Profa. Dra. Maria da Graça Trigo. Co-orientador: Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva. Lisboa, 2010). 5. “Dinheiro, advirta-se, seria ensejado à vítima, em casos que tais, não como simples mercê, mas, e sobretudo, como algo que correspondesse a uma satisfação com vistas ao que foi lesado moralmente. Em verdade, os valores econômicos que se ensejassem à vítima, em tais situações, teriam, antes, um caráter satisfatório que, mesmo, ressarcitório.” (Wilson Melo da Silva. O dano moral e sua reparação,Rio de Janeiro: Forense, 1955, p. 122). 6. Não se pode exigir, judicialmente, desde os primeiros sinais do abandono, o cumprimento da “obrigação natural” do amor. Por tratar-se de uma obrigação natural, um Juiz não pode obrigar um pai a amar uma filha. Mas não é só de amor que se trata quando o tema é a dignidade humana dos filhos e a paternidade responsável. Há, entre o abandono e o amor, o dever de cuidado. Amar é uma possibilidade; cuidar é uma obrigação civil. 7. “A obrigação diz-se natural, quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça.” ( Código Civil português – Decreto-Lei nº 47.344, de 25 de novembro de 1966, em vigor desde o dia 1 de junho de 1967, artigo 402º). 8. A obrigação dos progenitores cuidarem (lato senso) dos filhos é dever de mera conduta, independente de prova ou do resultado causal da ação ou da omissão. 9. “O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.”(Precedente do STJ: REsp. 1159242/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi). 10. Até 28 de março de 2019, data da conclusão deste julgamento, foram 21 anos, 2 meses e 20 dias de abandono, que correspondem a 1.107 semanas, com o mesmo número de sábados e domingos, e a 21 aniversários sem a companhia do pai. 11. A mesma lógica jurídica dos pais mortos pela morte deve ser adotada para os órfãos de pais vivos, abandonados, voluntariamente, por eles, os pais. Esses filhos não têm pai para ser visto. No simbolismo psicanalítico, há um ambicídio. Esse pai suicida-se moralmente como via para sepultar as obrigações da paternidade, ferindo de morte o filho e a determinação constitucional da paternidade responsável. 12. “O dano moral, com efeito, tem seu pressuposto maior na angústia, no sofrimento, na dor, assim como os demais fatores de ordem física ou psíquica que se concretizam em algo que traduza, de maneira efetiva, um sentimento de desilusão ou de desesperança.” (Wilson Melo da Silva. Idem,p. 116). 13.O dano moral (patema d’animo) por abandono afetivo é in re ipsa 14. O valor indenizatório, no caso de abandono afetivo, não pode ter por referência percentual adotado para fixação de pensão alimentícia, nem valor do salário mínimo ou índices econômicos. A indenização por dano moral não tem um parâmetro econômico absoluto, uma tabela ou um baremo, mas representa uma estimativa feita pelo Juiz sobre o que seria razoável, levando-se em conta, inclusive, a condição econômica das partes, sem enriquecer, ilicitamente, o credor, e sem arruinar o devedor. 15. “É certo que não se pode estabelecer uma equação matemática entre a extensão desse dano [moral] e uma soma em dinheiro. A fixação de indenização por dano [moral] decorre do prudente critério do Juiz, que, ao apreciar caso a caso e as circunstâncias de cada um, fixa o dano nesta ou naquela medida.” (Maggiorino Capello. Diffamazione e Ingiuria. Studio Teorico-Pratico di Diritto e Procedura.2 ed., Torino: Fratelli Bocca Editori, 1910, p. 159). 16. A indenização fixada na sentença não é absurda, nem desarrazoada, nem desproporcional. Tampouco é indevida, ilícita ou injusta. R$ 50.000,00 equivalem, no caso, a R$ 3,23 por dia e a R$ 3,23 por noite. Foram cerca de 7.749 dias e noites. Sim, quando o abandono é afetivo, a solidão dos dias não compreende a nostalgia das noites. Mesmo que nelas se possa sonhar, as noites podem ser piores do que os dias. Nelas, também há pesadelos. 17. Recurso conhecido e desprovido.(TJ-DF 20160610153899 DF 0015096-12.2016.8.07.0006, Relator: NÍDIA CORRÊA LIMA, Data de Julgamento: 28/03/2019, 8ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 04/04/2019 . Pág.: 404/405)

Na decisão acima mencionada, o desembargador mencionou, e que importa frisar: “Amar é uma possibilidade; cuidar é uma obrigação civil”.

Assim, sabe-se que a omissão do genitor com relação à assistência moral, à educação e ao convívio em relação à sua filha, configura danos morais. Inicialmente, sobreleva consignar que, em tese, é possível a reparação por danos extrapatrimoniais no âmbito do Direito de Família, embasada nos artigos 186 e 927, ambos do Código Civil, que assim dispõem:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (…)

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

 

Desta forma, a responsabilidade civil extracontratual decorrente da prática de ato ilícito, depende da presença de três pressupostos elementares: conduta culposa ou dolosa, dano e nexo de causalidade.

Ao discorrer sobre o tema, Sérgio Cavalieri Filho assinala que “(…) só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral (…)”.

Por dano moral entende-se o dano que atinge os atributos da personalidade, como imagem, bom nome, a qualidade ou condição de ser de uma pessoa, a intimidade e a privacidade. Tem natureza compensatória e não ressarcitória. Para o dano patrimonial há a reparação, para o dano à personalidade, há o regime de compensação.

Para Stoco (2011), os direitos da personalidade são direitos fundamentais com origens e raízes constitucionais. São, portanto, direitos do homem, competindo ao Estado o dever de defendê-los. Os direitos da personalidade são aqueles sem os quais todos os outros direitos subjetivos perderiam o interesse. Nesse sentido, também afirmam Arnoldo Wald e Bruno Pandori Giancoli (2012) que os direitos à honra, ao nome, à intimidade, à privacidade e à liberdade estão englobados no direito à dignidade, esta que é a base de todos os valores.

Para Venosa (2012), o direito ao dano moral reside no fato de que ninguém deve prejudicar o próximo (neminem laedere). E, continua o doutrinador sustentando que o conceito de culpa é alargado, não mais se amoldando à trilogia imprudência, negligência e imperícia. O vasto campo da responsabilidade extranegocial transita na esfera da culpa implícita ou evidente.

Ainda, consoante a assertiva propalada por José de Aguiar Dias: “O conceito de dano é único, e corresponde a lesão de um direito” (Da Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 737).

Bem como ainda, por Moral, na dicção de Luiz Antônio Rizzatto Nunes, entende-se “(…) tudo aquilo que está fora da esfera material, patrimonial do indivíduo” (O Dano Moral e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 1).

Reputa-se o dano moral como uma dor interior, não apreciável economicamente, pois se cinge a um sentimento negativo, que não causa modificações no mundo exterior, mas, tão-somente, na esfera íntima do ofendido.

Como restou comprovado, a conduta da requerida causou à requerente sentimentos de aflição espiritual e tristeza, bem como ficou comprovado que a falta de convívio com a mãe causou profundo e irremediável abalo pessoal.

Com efeito, é certo que a comprovação de que o abandono afetivo causou abalo psicológico de grande intensidade na autora.

ASSIM, A CONDUTA OMISSIVA DA MÃE EM RELAÇÃO AO DEVER JURÍDICO DE CONVIVÊNCIA COM A FILHA (ATO ILÍCITO), CAUSOU O TRAUMA PSICOLÓGICO SOFRIDO (DANO À PERSONALIDADE), E, SOBRETUDO, A REQUERENTE DESENVOLVEU TRAUMAS PSICOLÓGICOS E DANOS IRREPARÁVEIS NA SUA FORMAÇÃO PESSOAL COMO PESSOA E PROFISSIONAL.

SERÁ FACILMENTE DEMONSTRADO PELA REALIZAÇÃO DE UM LAUDO PERICIAL QUE A REQUERENTE ATESTA A EXISTÊNCIA DE TRAUMA PSICOLÓGICO DECORRENTE DA CONDUTA DA GENITORA.

Veja precedentes sobre o tema do Superior Tribunal de Justiça em revisão à ementa anterior, ou seja, admitindo a reparação civil pelo abandono afetivo. A ementa foi assim publicada por esse Tribunal Superior:

“Civil e Processual Civil. Família. Abandono afetivo. Compensação por dano moral. Possibilidade. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/1988. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado –, importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido”(STJ, REsp 1.159.242/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 24/04/2012, DJe 10/05/2012).

No mesmo sentido são os precedentes proferidos pelo nosso Tribunal de Justiça de Goiás, que assim vem decidindo:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE PATERNIDADE C/C ALIMENTOS. TERMO INICIAL PARA PAGAMENTO. CITAÇÃO. SÚMULA 277 DO STJ. INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO. NÃO CUMPRIMENTO DO DEVER DE CUIDAR. COMPROVAÇÃO DO ATO ILÍCITO. DANO MORAL CONFIGURADO. PRECEDENTES STJ. 1. Julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação (Súmula 277, do STJ). 2. “O dever de cuidado compreende o dever de sustento, guarda e educação dos filhos. Não há dever jurídico de cuidar afetuosamente, de modo que o abandono afetivo, se cumpridos os deveres de sustento, guarda e educação da prole, ou de prover as necessidades de filhos maiores e pais, em situação de vulnerabilidade, não configura dano moral indenizável.” (REsp 1579021/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 19/10/2017, DJe 29/11/2017). 3. Não tendo o pai se incumbido do seu dever de cuidar, já que mesmo ciente da paternidade desde de 2009, não prestou nenhum tipo de assistência, seja material ou de ordem afetiva à sua filha, patente o dever de indenizar haja vista a configuração do abandono afetivo. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Apelação cível conhecida e parcialmente provida. Sentença mantida. (TJ-GO – Apelação Cível ( CPC): 03377637820118090024, Relator: ITAMAR DE LIMA, Data de Julgamento: 10/01/2019, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 10/01/2019)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE ALIMENTOS. PEDIDO RECONVENCIONAL. INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO. NÃO CUMPRIMENTO DO DEVER DE CUIDAR. COMPROVAÇÃO DO ATO ILÍCITO. DANO MORAL CONFIGURADO. PRECEDENTES STJ. 1- O art. 1.634 do Código Civil impõe como atributos do poder familiar a direção da criação dos filhos e o dever de ter os filhos em sua companhia. 2- “O dever de cuidado compreende o dever de sustento, guarda e educação dos filhos. Não há dever jurídico de cuidar afetuosamente, de modo que o abandono afetivo, se cumpridos os deveres de sustento, guarda e educação da prole, ou de prover as necessidades de filhos maiores e pais, em situação de vulnerabilidade, não configura dano moral indenizável.” (REsp 1579021/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 19/10/2017, DJe 29/11/2017). PRIMEIRA APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA. SEGUNDA APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. (TJ-GO – Apelação Cível ( CPC): 02657633920168090175, Relator: JAIRO FERREIRA JUNIOR, Data de Julgamento: 09/09/2019, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 09/09/2019)

 

Sendo assim, inquestionável o dever de indenizar a requerente, tendo em a situação já narrada, que merece ser imputada a responsabilidade ao requerido, pela ofensa extrema aos preceitos inerentes a pessoa humana.

f) DO QUANTUM INDENIZATÓRIO

Uma vez reconhecida a existência do dano afetivo, e o consequente direito à indenização dele decorrente, necessário se faz analisar o aspecto do quantum pecuniário a ser considerado e fixado, não só para efeitos de reparação do prejuízo, mas também sob o cunho de caráter punitivo ou sancionaria, preventivo, repressor.

E essa indenização que se pretende em decorrência dos danos afetivos, há de ser arbitradamediante estimativa prudente, que possa em parte, compensar o “dano sofrido” da parte Autora.

No tocante ao quantum indenizatório, entendo que ao quantificar a indenização por dano moral o julgador deve atuar com razoabilidade, observando o caráter indenizatório e sancionatório de modo a compensar o abalo suportado, sem caracterizar enriquecimento ilícito. Ou seja, “… a indenização a esse título deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, com manifestos abusos e exageros, devendo o arbitramento operar com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa e ao porte econômico das partes, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso.” (REsp 245727/SE, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, 4ª Turma, DJ 05/06/2000 p. 174).

No caso, levando-se em conta a atividade desenvolvida pela ofensora, que é empresária em diversos segmentos, como supermercados, hotéis, postos de combustíveis e agropecuária, seus lucros levam à presunção de sua maior capacidade econômica, observando-se ainda, a desídia de sua conduta, é de rigor que a verba indenizatória seja de, no mínimo, R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), ou em valor justo e condizente a ser arbitrado por este magistrado, que represente não só uma medida para tentar reparar o dano causado à requerente, mas também um valor que leve em consideração uma medida para que o requerido seja coibido a praticar ato lesivo contra terceiros.

Outrossim, deve ser ressalvado o termo inicial dos juros, que devem incidir desde o evento danoso, conforme dispõe o artigo 398, do Código Civil e nos termos do entendimento já sumulado pelo C. Superior Tribunal de Justiça (súmula 54).

O dano moral perseguido resulta da indignação e da sensação, ou melhor, da certeza da impotência da requerente perante o requerido.

3. DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA

A requerente é pessoa pobre na acepção do termo e não possui condições financeiras para arcar com as custas processuais e honorários advocatícios sem prejuízo do próprio sustento, razão pela qual desde já requer o benefício da Gratuidade de Justiça, assegurados pela Lei nº 1.060/50 e consoante o art. 98caput, do CPC [1].

Como dito, a requerente atualmente trabalha como supervisora de vendas, percebendo renda bruta de aproximadamente R$ 2.776,05 (dois mil, setecentos e setenta e seis reais e cinco centavos). Desse valor, é preciso ponderar ainda que possui 3 (três) filhas menores que residem consigo, que precisa prover o seu sustento, contando com despesas com moradia, alimentação, energia, água e condomínio, sendo terminantemente impossibilitada de arcar com o pagamento das custas processuais.

Mister frisar, ainda, que, em conformidade com o art. 99§ 1º, do CPC [2], o pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado por petição simples e durante o curso do processo, tendo em vista a possibilidade de se requerer em qualquer tempo e grau de jurisdição os benefícios da justiça gratuita, ante a alteração do status econômico.

Para tal benefício, a requerente junta declaração de hipossuficiência e comprovante de renda, os quais demonstram a inviabilidade de pagamento das custas judiciais sem comprometer sua subsistência, conforme clara redação do Código de Processo Civil: “Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural” (art. 99, § 3º).

Assim, por simples petição, sem outras provas exigíveis por lei, faz jus a requerente ao benefício da gratuidade de justiça:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUSTIÇA GRATUITA. INDEFERIMENTO DA GRATUIDADE PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES PARA AFASTAR A BENESSE. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. CABIMENTO. Presunção relativa que milita em prol do autor que alega pobreza. Benefício que não pode ser recusado de plano sem fundadas razões. Ausência de indícios ou provas de que pode a parte arcar com as custas e despesas sem prejuízo do próprio sustento e o de sua família. Recurso provido. (TJ-SP – AI: 22391085720198260000 SP 2239108-57.2019.8.26.0000, Relator: Gilberto Leme, Data de Julgamento: 21/02/2020, 35ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/02/2020)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. CONCESSÃO. Presunção de veracidade da alegação de insuficiência de recursos, deduzida por pessoa natural, ante a inexistência de elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão da gratuidade da justiça. Recurso provido. (TJ-SP – AI: 21202035920208260000 SP 2120203-59.2020.8.26.0000, Relator: Roberto Mac Cracken, Data de Julgamento: 15/06/2020, 22ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/06/2020)

 

A assistência de advogado particular não pode ser parâmetro ao indeferimento do pedido, nos termos do que dispõe o § 4º do art. 99 do CPC: “A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça”.

É nesse sentido ainda o entendimento jurisprudencial:

“JUSTIÇA GRATUITA. EXIGÊNCIA DE DECLARAÇÃO DE PATROCÍNIO GRATUITO INCONDICIONAL. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. PRECEDENTES. (…) 2. É possível o gozo da assistência judiciária gratuita mesmo ao jurisdicionado contratante de representação judicial com previsão de pagamento de honorários advocatícios ad exitum. 3. Essa solução é consentânea com o propósito da Lei n. 1.060/1950, pois garante ao cidadão de poucos recursos a escolha do causídico que, aceitando o risco de não auferir remuneração no caso de indeferimento do pedido, melhor represente seus interesses em juízo. 4. A exigência de declaração de patrocínio gratuito incondicional não encontra assento em qualquer dispositivo da Lei n. 1.060/1950, criando requisito não previsto, em afronta ao princípio da legalidade. 5. Precedentes das Terceira e Quarta Turmas do STJ. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido, com determinação de retorno dos autos à origem para processamento da apelação” (STJ, REsp 1504432 – RJ Relator : Ministro OG FERNANDES julgado em 21/09/2016).(grifo meu)

Assim, considerando a demonstração inequívoca da necessidade da requerente, tem-se por comprovada sua necessidade, fazendo jus ao benefício.

Cabe destacar que a lei não exige atestado de miserabilidade do requerente, sendo suficiente a “insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios” (art. 98, CPC), conforme destaca a doutrina:

Não se exige miserabilidade, nem estado de necessidade, nem tampouco se fala em renda familiar ou faturamento máximos. É possível que uma pessoa natural, mesmo com bom renda mensal, seja merecedora do benefício, e que também o seja aquela sujeito que é proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez. A gratuidade judiciária é um dos mecanismos de viabilização do acesso à justiça; não se pode exigir que, para ter acesso à justiça, o sujeito tenha que comprometer significativamente sua renda, ou tenha que se desfazer de seus bens, liquidando-os para angariar recursos e custear o processo. (DIDIER JR. Fredie. OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Benefício da Justiça Gratuita. 6ª ed. Editora JusPodivm, 2016. p. 60)

Por tais razões, com fulcro no artigo , inc. LXXIV, da Constituição Federal, e no artigo 98 do CPC, requer seja deferida a gratuidade de justiça à requerente.

4. DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO (CPC, art. 319, inc. VII)

Manifesta-se a requerente sobre seu interesse na realização de audiência de conciliação ou mediação, nos termos do art. 319, inc. VII, do CPC.

5. DOS PEDIDOS

Diante o exposto, requer a Vossa Excelência:

a) Seja o requerido citado para que, querendo, conteste a presente ação no momento processual oportuno, sob pena de revelia e confissão;

b) A determinação da realização do exame de DNA entre a requerente e o requerido;

c) Que o exame de DNA seja custeado pelo convênio da justiça com laboratórios, pois a requerente não possui condições financeiras para arcar com o valor;

d) A produção de todos os meios de prova em direito admitidos, notadamente a prova documental, testemunhal, depoimento pessoal do requerido, sob pena de confissão ficta, e pericial, com a realização do exame de DNA e de atendimento na área da psicologia/psiquiatria com a requerente;

e) Ao final, julgar procedente a ação (em caso de verificado positivo o exame laboratorial), para:

i. reconhecer a maternidade do requerido em relação à requerente, autorizando a expedição de mandado ao cartório de registro civil competente para assentamento do registro paterno, inclusive dos avós paternos, passando a requerente a se chamar [NOME DA REQUERENTE COM O SOBRENOME PATERNO];

ii. condenar o requerido ao pagamento de uma indenização por abandono afetivo, pelos prejuízos causados à requerente, no valor de, no mínimo, R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), ou em valor justo e condizente com o caso concreto a ser arbitrado por Vossa Excelência, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros legais;

f) A condenação do requerido ao pagamento das custas e demais despesas processuais, inclusive em honorários advocatícios sucumbenciais, que deverão ser arbitrados por este Juízo, conforme norma do artigo 85 do CPC;

g) A concessão do benefício da justiça gratuita, por ser a requerente pessoa sem condições de arcar com as custas, honorários advocatícios e demais despesas processuais, sem prejuízo ao sustento próprio e de sua família, consoante declaração anexa;

h) Manifesta-se a requerente sobre seu interesse na realização de audiência de conciliação ou mediação, nos termos do art. 319, inc. VII, do CPC;

Dá-se à causa o valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais).

Nesses termos, pede e espera deferimento.

Cidade, 27 de junho de 2022.

 

ADVOGADO

OAB

 


 

[1] Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.

[2] Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.

§ 1º Se superveniente à primeira manifestação da parte na instância, o pedido poderá ser formulado por petição simples, nos autos do próprio processo, e não suspenderá seu curso.